São Paulo num dia de chuva, eu a um passo de me atrasar, mais uma vez.
- Oi moça.
- Oi! Bom dia!
- A mala cabe aqui no banco?
- Cabe sim. Tranquilo.
Ele me oferece álcool em gel, nada de balinhas.
- A senhora vai pra onde?
- Pra Minas. Vou ver meus pais.
- Olha só. Eu também sou mineiro, de BH. De onde a senhora é?
- São Sebastião do Paraíso. É mais pro Sul de Minas.
- Conheço também. Tenho família em Cássia.
- Ah, jura? Que coincidência. Legal.
Acabo me entretendo procurando o e-mail da passagem, e conferindo se meus documentos estão na bolsa.
- Na verdade a família da minha mulher que é de Cássia.
- Ah sim.
- É...
Breve silêncio e trânsito na 23.
- Eu a conheci em Cássia. Num ano novo. Era pra ter passado a virada no Rio com alguns amigos, mas não deu certo. Acabei indo pra Cássia com minha irmã. Ela namorava um cara de Cássia na época. Ela e ele terminaram, mas eu nunca mais larguei minha esposa.
- Que bom que não deu certo pra dar certo, né? Se conheceram no Ano Novo e já ficaram juntos assim?
- Foi. A gente teve uma coisa. A conheci no dia 28. Dia 28 pra 29, de madrugada. Ficamos juntos todos os dias lá. Na volta, ela ficou em SP e eu fui pra São José dos Campos, eu morava lá. Nunca deixamos de nos ver desde então.
- É. Parece que era pra acontecer... Tem muito tempo?
- 8 anos. Foram 3 e meio de namoro e estamos casados há 4, quase 5. Temos uma filha.
- Legal. Fico feliz por vocês.
- Quando eu conheci ela foi diferente de tudo, sabe? E eu tive muitos relacionamentos antes dela...e eu soube.
- Amor à primeira vista?
- Um pouco. Depois a gente vai conhecendo e vai entendendo mesmo. Desanima com umas coisas, anima com outras...mas é que fica gostoso ficar junto, daí vai ficando.
Silêncio mais uma vez. Olho meu celular e me amaldiçoo mentalmente por nunca sair adiantada.
- E a senhora?
- Eu o que?
- A senhora é casada?
- Não, não sou.
- Parece jovem também.
- Agradeço, mas não sou tanto.
- Mas não tem nada?
- Nada? Hum...Eu namoro. Mas tem pouco tempo. 3 meses só. Quase 3 na verdade.
- Muito no começo mesmo.
- É, às vezes parece que sim, às vezes parece que já tem muito tempo, é intenso...Vamos ver.
- A senhora costuma namorar?
Dou risada.
- Costumo. Mas meus namoros não duram tanto. Meu máximo foi 2 anos. E tive alguns que duraram quase isso.
- Ah, entendo. Eu também não costumava ficar muito tempo com alguém. Meu namoro mais longo antes da minha mulher teve 9 meses. Minha mulher não, ela já teve um namorado de 6 anos antes de mim. 6 anos.
- Nossa!
- É. Mas eles não tinham a intimidade que a gente tem não. Namoraram 6 anos e a mãe dela nunca gostou do rapaz. Ela nunca tinha ido dormir na casa dele e nem ele na dela. Eu não. Na segunda visita à minha esposa, na época recém namorada, já dormi lá. Minha sogra sempre gostou de mim, desde o começo.
Percebo o tom muito orgulhoso em sua voz. Era importante saber, ou pelo menos acreditar, que ele era a pessoa mais íntima que sua mulher já teve.
Eu não sei quantas vezes eu tive certeza de que fui a pessoa mais íntima na vida de alguém. Passei por muitos relacionamentos com medo de ser só um “remendo”, um relacionamento que tem utilidade de tentar curar dores antigas...Ou uma substituta.
E o contrário também. Passei por muitos dos meus relacionamentos me questionando se era eu quem estava encaixando namoros na minha carência ou algo assim. Tive meus momentos imaturos tentando descobrir o amor. Curiosamente, julgo-me hoje como alguém madura tentando o mesmo.
- Quando é a pessoa, o tempo passa rápido, você nem vê. E é diferente também.
- Imagino. Mas conviver não é fácil, né?
- Não. É bem ruim. Mas sem a pessoa fica pior. A liberdade fica vazia se fica muito tempo longe...perde a graça. E é bom também a cumplicidade mesmo. Acho que o segredo é não deixar de mostrar pra outra pessoa que ela é especial pra você.
- Entendi. Acho que entendi.
Quase chegando ao meu destino e o telefone dele toca:
- Mas de novo? Eu já falei que to com passageiro. Eu vou te ligar já já, mas que coisa. Tá, eu não esqueci, eu vou comprar. Tchau.
tempo.
- Oh moça, esquece. Viver junto é uma bagunça.
Então é isso? Fazer a outra pessoa se sentir especial em meio ao caos? Conseguir se sentir especial em meio ao caos?
....
Parece uma bagunça mesmo.